
No começo as tampas parecem perfeitas. Somos iludidos por sua eficácia imediata a ponto de acharmos que não podemos mais viver sem ela. Pronto! Estou completo. Passamos a cuidar da tampa com todo nosso afinco, com medo de que ela saia do lugar e nos obrigue a encarar novamente aquele rombo insuportável. Pode até ser que ela nos faça sofrer algumas vezes, que exija muito da gente, tudo bem. Ainda assim nos agarramos a ela como a um tesouro. E ficamos felizes, com a sensação de problema resolvido. Pronto. O buraco está tampado para sempre. Não está. Nunca está. Com o tempo, à medida que nos movimentamos pela vida, percebemos que o buraco ainda está ali, à nossa espreita. A tampa já não cabe tão bem e volta a deixar exposta nossa falta, a nossa ferida. E como incomoda. É quase insuportável encará-la. É urgente procurar outra e outra tampa que disfarce melhor.
Enquanto procuramos vamos distraindo a dor. Aí entra o cigarro. Na falta do que se orgulhar ou amar, buscamos artifícios de preenchimento. Antidepressivos, ansiolíticos, uns drinks... um cala boca qualquer nessa angústia. Eles não tampam o buraco, mas nos ajudam a ser mais complacentes, a vê-lo de forma mais branda ou não prestar tanta atenção. Fica mais fácil.
Mas e se ao invés disso formos na contramão? Encarar frente a frente essa falta, não temer? Deixar a angústia nos percorrer um pouco e fazer seu trabalho de lapidação? Esse buraco que permeia nossa alma não é um inimigo a ser extirpado. Se por um lado ele nos machuca, também é ele que nos leva pra frente. É ele que nos coloca em movimento. Enquanto vivemos em função dessa busca interminável, dessa caçada à tampa “perfeita”, vamos escrevendo a nossa história. E talvez seja possível usar tudo isso a nosso favor. Não apenas buscando tampas que nos dêem a impressão de ser completos, mas buscando caminhos que nos façam crescer e nos façam conhecer melhor nossos próprios desejos.
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