domingo, 28 de fevereiro de 2010

Todas as escolhas, menos essas

Quando pequena, certa vez, ao deitar-me na cama para dormir, dei com um arrepio na espinha: eu haveria de ser eu por toda a vida! Apenas eu e ninguém mais. Descobri-me prisioneira de mim mesma. Lembro que me pareceu tão assustador... Senti-me sozinha, sentada num canto de mim como quem se vê trancado entre quatro paredes. E as chaves perdidas, para sempre. Pareceu-me absurdo que jamais pudesse estar em ninguém mais. Conhecer-lhe as conclusões, as prendas, as malícias... Caminhar por seu íntimo espiando por suas janelas e tendo à frente as coisas como lhe parecem ser. Não como simples observadora das ações do outro, mas vivendo o próprio outro. Por breves instantes, que fosse. Quis inventar um caminho! Pus-me a imaginar, na minha crença infantil, que ainda haveriam de achar um jeito. Afinal os anos passavam, várias invenções iam pipocando daqui e dali... Haveriam de achar as chaves que nos libertassem de tamanha condenação. Pensei, pensei... e por fim dormi convencida de que não havia meios.

Mas minhas angústias noturnas não pararam aí. No dia seguinte meu pavor só fez aumentar quando uma sentença ainda mais grave soou dentro de mim: ‘Você há de morrer. Desde que se tenha nascido, terá que morrer um dia. Não há outra saída.’ Por Deus, nunca tive mais forte sensação de finitude. Era como estar num trem desgovernado rumo a um penhasco. Eu vivia, e por isso caminhava para a morte. Não havia modo de atrasar o destino, pronto a cumprir-se. Cada minuto passado, cada dia, dava-me a certeza de que o fim estaria mais e mais próximo. Desejei nem ter nascido, posto que então eu não teria outra escolha, senão morrer.



Eu tinha apenas seis anos. Estranho como tão pequena eu já me deparava com essas questões, e mais estranho que ainda hoje as questões sejam as mesmas. A verdade é que na vida temos todas as escolhas, menos essas. Não podemos deixar de ser quem somos. Nem podemos evitar a morte.