terça-feira, 17 de julho de 2012

O melhor perfume



O perfume do hidratante lembrava-lhe, toda manhã, dos dias em que ela tinha amado. Abria a tampa do frasco e ensaiando um sorriso espalhava por todo o corpo a sensação de um arrepio, como se fizesse sentido alguma expectativa. Como se fosse possível, outra vez, um encontro marcado às avessas, em plena luz do dia. Sentia na maciez dos dedos a deslizar sobre a pele uma espécie de carinho, um aconchego solitário. E por breves instantes, era mesmo capaz de se sentir revivendo aqueles dias, todos os dias. Repetindo-se diariamente na aflição de um amor que lhe negava sempre o seu desfecho, mas que, como um vício, ela insistia em mantê-lo à flor da pele.

Seus dias se davam sempre nesse misto de excitação e melancolia. Numa dúvida sobre o que devia ou não ser esquecido. Por um lado buscava a saída daquele amor, a porta dos fundos por onde pudesse escapar da ofensa que era não ser amada. Por outro, relutava em mudar a fragrância, como se ao mudar, perdesse o gozo matinal do sofrimento. E como era doído, e como era bom lembrar. A dor daquele aroma tinha um sabor incomparável, era o gosto da sua alma gritando. Era como saber-se viva. E seguia deixando-se doer no melhor perfume para evitar o drama de não sentir nada, de esquecer. De apenas seguir adiante os dias, como todo mundo, camuflada pelas tarefas de viver. Perdida de si e distraída dos seus desejos.

Kattlyn Pereira